Pudor em cena, confusão nos bastidores: a volta de ‘Hair’ mostra um musical com medo de se despir

É impossível não imaginar — e até ouvir, metaforicamente — as risadas de Zé Celso

Por: Mariana Mourão
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O clássico musical Hair voltou aos palcos em outubro, no Teatro BTG Pactual, em São Paulo, sob direção de Charles Möeller e Claudio Botelho. A expectativa era alta: revisitar um espetáculo símbolo da contracultura e da liberdade, agora em um momento histórico que parece necessitar ainda mais dessas bandeiras. Mas o que se viu foi uma encenação tímida, apagada — e, sobretudo, desprovida da ousadia que fez de Hair um ícone.


Pelados? Nus? A nudez, marca registrada da montagem original e expressão máxima de libertação, surge aqui domesticada. A cena acontece no fundo do palco, envolta em penumbra, com o elenco claramente constrangido. Parte dos atores cobre as partes íntimas, num gesto que nega a própria essência do espetáculo. É impossível não imaginar — e até ouvir, metaforicamente — as risadas de Zé Celso, diante de tanto pudor aplicado a uma obra que sempre celebrou o corpo como símbolo de libertação e transgressão.

Há também outro problema que compromete o ritmo da encenação: a predominância das canções sobre o texto. As falas praticamente desaparecem, e as músicas, embora numerosas, perdem força pela falta de dicção e projeção vocal. Mesmo nas primeiras fileiras, o público tem dificuldade para compreender as letras — e, consequentemente, para se conectar à narrativa.

De todo o musical, é apenas na cena final que o espetáculo finalmente encontra a potência emocional esperada desde os minutos iniciais. É quando o elenco, enfim, parece se entregar, e Hair ressurge, ainda que brevemente, como a celebração libertária que o público foi buscar.

Mas as decepções não pararam no palco. Logo após a estreia, o Teatro BTG Pactual comunicou aos espectadores que haviam adquirido ingressos para a fileira A que precisariam ser realocados, sob o argumento de proporcionar “melhor experiência visual”. A decisão, tomada após o início da temporada, evidencia a falta de planejamento e de respeito com o público.

Já falei sobre as constantes reclamações sobre o estacionamento que cobra cerca de R$90 reais?

Fica a sensação de que, nesta nova versão, Hair perdeu o grito, a nudez e a coragem — elementos que o tornaram um símbolo de resistência e liberdade. No fim das contas, o ingresso talvez não valha o preço nem a ausência do conforto da própria casa para presenciar um espetáculo que, ironicamente, parece ter medo de si mesmo.