Quando o riso vira disfarce para o preconceito
O caso Léo Lins e os limites éticos da comédia
Por: Mariana Mourão
Foto: Divulgação


A recente polêmica envolvendo o autointitulado comediante Léo Lins reabre um debate urgente sobre os limites da liberdade de expressão, a responsabilidade ética do artista e o papel da arte na sociedade. Conhecido por explorar discursos discriminatórios sob a justificativa de “politicamente incorreto”, Lins mais uma vez ultrapassa a linha que separa a provocação artística da propagação deliberada do preconceito.
É necessário afirmar com clareza: fazer comédia não é licença para agredir. Quando uma “piada” reforça estruturas de opressão e humilha pessoas por sua raça, deficiência, classe social, religião ou identidade, não estamos diante de arte — estamos diante de um ato político violento, travestido de espetáculo.
A figura do “comediante corajoso” que “diz o que ninguém tem coragem de dizer” é frequentemente usada como escudo para blindar práticas irresponsáveis. Mas coragem artística não é bater nos mais vulneráveis. Coragem é desafiar o status quo com inteligência e empatia, não perpetuar estigmas já massacrantes. A arte é — ou deveria ser — um espaço de expansão da sensibilidade coletiva, não um palco para a banalização do ódio.
A insistência de Léo Lins em manter piadas ofensivas como bandeira de identidade revela mais do que desrespeito: revela uma escolha deliberada por se alinhar ao discurso de intolerância, muitas vezes impulsionado por engajamento tóxico nas redes e por um público que se recusa a rever seus próprios privilégios. Esse tipo de postura não apenas degrada o valor simbólico da arte, mas contribui ativamente para a normalização da violência simbólica no cotidiano.
É fundamental lembrar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto — é um pacto coletivo que pressupõe responsabilidade. A Constituição garante esse direito, mas também veta discursos de ódio. Nenhuma profissão, incluindo a de comediante, está acima da crítica ética. Assim como a medicina tem limites para proteger vidas, e o jornalismo deve prezar pela verdade, a arte também deve se responsabilizar pelos afetos que produz.
A comédia pode — e deve — provocar, questionar, desestabilizar. Mas o que Léo Lins faz não é provocação crítica: é instrumentalização do riso para manutenção de estigmas sociais, camuflada por um discurso pseudo-libertário que ignora o poder simbólico de suas palavras. O palco pode ser um espaço de liberdade, mas nunca um álibi para a crueldade.
Se queremos uma sociedade mais justa, precisamos reconhecer o peso das narrativas que circulam entre nós — principalmente as que vêm travestidas de entretenimento. A arte é uma linguagem poderosa demais para ser usada como munição contra os próprios direitos humanos. Que o caso Léo Lins sirva, ao menos, para reforçarmos os compromissos inegociáveis entre arte, empatia e responsabilidade.